Apesar de não existir no Brasil uma lei que regule
especificamente o dever de informação, o Código de Defesa do Consumidor (CDC)
disciplina regras capazes de proteger o sujeito em estado de vulnerabilidade
nas relações de consumo.
Segundo a doutrina, a obrigação legal de informação no CDC
tem amplo espectro, pois não se limita ao contrato, abrangendo também qualquer
situação na qual o consumidor manifeste seu interesse em adquirir um produto ou
requerer um serviço.
Para que seja promovida a execução da Política Nacional das
Relações de Consumo, o CDC estabelece, em seu artigo 4º, que os consumidores
devem ter as necessidades atendidas com respeito à sua dignidade, saúde e
segurança, proteção de seus interesses econômicos, melhoria da sua qualidade de
vida, transparência e harmonia das relações de consumo.
No artigo 6º, o CDC prevê como direito básico do consumidor
a obtenção de informação adequada sobre diferentes produtos e serviços, como a
especificação correta de quantidade, as características, a composição, a
qualidade, os tributos incidentes e o preço, incluindo os eventuais riscos que
tais produtos ou serviços possam causar.
Liberdade de escolha
Segundo o ministro do STJ Humberto Martins, o direito à
informação está diretamente relacionado com a liberdade de escolha daquele que
consome (EREsp 1.515.895). Ele explicou que a autodeterminação do consumidor
depende essencialmente da informação que lhe é transmitida, pois esse é um dos
meios de formar a opinião e produzir a tomada de decisão a respeito do que é
consumido.
“Se a informação é adequada, o consumidor age com mais
consciência; se a informação é falsa, inexistente, incompleta ou omissa,
retira-se-lhe a liberdade de escolha consciente”, destacou o ministro.
O dever de informar também deriva do respeito aos direitos
básicos do consumidor, afirmou o ministro, acrescentando que, na relação de
consumo, quem tem o pleno conhecimento a respeito do produto oferecido é
responsável por fornecer ao consumidor o necessário esclarecimento para que
este possa tomar uma atitude consciente diante do que é posto à venda no
mercado.
“Mais do que obrigação decorrente de lei, o dever de
informar é uma forma de cooperação, uma necessidade social. Na atividade de
fomento ao consumo e na cadeia fornecedora, o dever de informar tornou-se
autêntico ônus proativo incumbido aos fornecedores (parceiros comerciais, ou
não, do consumidor), pondo fim à antiga e injusta obrigação que o consumidor
tinha de se acautelar (caveat emptor)”, explicou Humberto Martins no
julgamento do REsp 1.364.915.
A seguir, algumas decisões do Superior Tribunal de Justiça
(STJ) em que o dever de informação no âmbito do CDC foi interpretado pelo
tribunal, nos mais variados contextos: risco cirúrgico, plano de saúde, compra
de alimentos, transporte aéreo, cobertura securitária, entre outros.
Risco cirúrgico
A falta de informação adequada sobre risco cirúrgico
justifica indenização por danos morais. Com base nesse entendimento, a Quarta
Turma do STJ decidiu (REsp 1.540.580) que, na relação médico-paciente, a
prestação de informações corretas e suficientes sobre o diagnóstico, a proposta
de tratamento e os riscos existentes em eventuais procedimentos cirúrgicos
constitui direito do paciente e de seus representantes legais.
A falta dessas informações representa falha na prestação do
serviço e, somada a elementos como o dano e o nexo causal, gera o dever de
indenizar por danos morais – explicou o ministro Luis Felipe Salomão no voto
que prevaleceu por maioria no colegiado.
O ministro destacou que o dever de informação tem relação
com o direito que possui o paciente, ou seu representante legal, de decidir
livremente sobre a execução de práticas diagnósticas ou terapêuticas, já que
tais informações são necessárias para o convencimento e a tomada de decisão
sobre a intervenção médica.
“Haverá efetivo cumprimento do dever de informação
quando os esclarecimentos se relacionarem especificamente ao caso do paciente,
não se mostrando suficiente a informação genérica. Da mesma forma, para validar
a informação prestada, não pode o consentimento do paciente ser genérico
(blanket consent), necessitando ser claramente individualizado”, afirmou.
O dever de informar no contexto médico, observou, encontra
limitações em hipóteses específicas, como no caso da comunicação ao próprio
enfermo que possa lhe provocar algum dano.
Porém, segundo Salomão, as ressalvas não se aplicam aos
representantes legais, que têm o direito de conhecer o diagnóstico, o
prognóstico, os riscos e os objetivos do tratamento em todas as situações.
Rede conveniada
Em setembro de 2019, a Terceira Turma decidiu que o plano de
saúde tem o dever de comunicar aos seus beneficiários sobre o descredenciamento
de clínicas, mesmo que rescisão do contrato não tenha origem em decisão da
operadora do plano (REsp 1.561.445).
Para o relator do caso, ministro Villas Bôas Cueva, os
clientes das seguradoras têm o direito de ser informados previamente acerca de
modificações na rede de credenciados, pois assim poderão buscar, entre as
possibilidades de tratamento oferecidas, aquela que melhor os atenda.
“O usuário de plano de saúde tem o direito de ser
informado acerca da modificação da rede conveniada (rol de credenciados), pois
somente com a transparência poderá buscar o atendimento e o tratamento que
melhor lhe satisfaz, segundo as possibilidades oferecidas”, explicou.
O ministro lembrou que são essenciais, tanto na formação
quanto na execução de um contrato, a boa-fé entre as partes e o cumprimento dos
deveres de informação, de cooperação e de lealdade.
“Ainda que a iniciativa pelo descredenciamento tenha
partido da clínica médica, espécie do gênero entidade hospitalar, subsiste a
obrigação de a operadora de plano de saúde promover a comunicação desse evento
aos consumidores e à Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) com 30 dias de
antecedência, consoante o disposto no parágrafo 1º do artigo 17 da Lei
9.656/1998, bem como de substituir a entidade conveniada por outra equivalente,
de forma a manter a qualidade dos serviços contratados inicialmente”,
concluiu.
Contém glúten
Para quem sofre de intolerância ou alergia alimentar, a
informação “contém glúten” nos rótulos de alimentos industrializados
é insuficiente para avisar sobre os perigos da presença da proteína.
Por esse motivo, a Corte Especial fixou (EREsp 1.515.895)
que o fornecedor deve complementar a informação-conteúdo “contém
glúten” com a informação-advertência de que “o glúten é prejudicial à
saúde dos consumidores com doença celíaca”.
O relator do caso, ministro Humberto Martins, explicou que o
CDC preceitua ser direito básico do consumidor a informação adequada e clara
sobre o produto, com a especificação correta de suas características e
composição, bem como sobre os riscos que ele apresenta.
A Lei 10.674/2003, conhecida como Lei do Glúten, estabeleceu
que os alimentos industrializados devem trazer em seu rótulo e bula, conforme o
caso, a informação “não contém glúten” ou “contém glúten”.
Para o ministro, essa é apenas uma “informação-conteúdo”.
“A superveniência da Lei 10.674/2003 não esvazia o
comando do artigo 31, caput, do CDC, que determina que o fornecedor de produtos
ou serviços deve informar ‘sobre os riscos que apresentam à saúde e segurança
dos consumidores’, ou seja, a informação-advertência”, afirmou.
Na opinião do ministro, portanto, é necessária a integração
entre a Lei do Glúten (lei especial) e o CDC (lei geral), principalmente no
caso de fornecimento de alimentos e medicamentos.
“No direito do consumidor, não é válida a meia
informação ou a informação incompleta. Também não é suficiente oferecer a
informação, pois é preciso saber transmiti-la, já que mesmo a informação
completa e verdadeira pode vir a apresentar deficiência na forma como é
exteriorizada ou recebida pelo consumidor”, disse.
Cancelamento de voos
Para a jurisprudência, o transporte aéreo é serviço
essencial e pressupõe continuidade. Assim, considera-se prática abusiva tanto o
cancelamento de voos sem razões técnicas ou de segurança inequívocas quanto o
descumprimento do dever de informar o consumidor, por escrito e justificadamente,
quando tais cancelamentos vierem a ocorrer. O entendimento foi firmado pela
Segunda Turma em 2016.
Na ocasião, o colegiado considerou que as concessionárias do
serviço público de transporte aéreo são fornecedoras no mercado de consumo, não
devendo se furtar à obrigação que assumiram quando foi celebrado o contrato de
concessão com o poder público nem à obrigação contratual que assumem
rotineiramente com os consumidores.
Segundo o relator, ministro Humberto Martins, as companhias
aéreas não podem cancelar voos com análise apenas no foco empresarial, sem que
haja justificativa técnica ou de segurança.
“Independentemente da maior ou da menor demanda, a
oferta obriga o fornecedor a cumprir o que ofereceu, a agir com transparência e
a informar o consumidor, inclusive por escrito e justificadamente. Descumprida
a oferta, a concessionária frustra os interesses e os direitos não apenas dos
consumidores concretamente lesados, mas de toda uma coletividade, dando ensejo
à reparação de danos materiais e morais (individuais e coletivos)”,
declarou o relator.
Publicidade enganosa
Para o STJ, é enganosa a publicidade televisiva que omite o
preço e a forma de pagamento do produto, condicionando a obtenção dessas
informações à realização de ligação telefônica tarifada.
No caso analisado, a corte confirmou condenação de empresa
que comercializava produtos em um canal de TV fechada sem informar ao público
elementos básicos sobre o produto, para que o consumidor, antes de fazer o
contato telefônico, pudesse avaliar a possível compra, com destaque para as
características, a qualidade, a quantidade, as propriedades, a origem, o preço
e as formas de pagamento.
O relator, ministro Humberto Martins, considerou que havia
“propaganda enganosa por omissão”, pois a empresa não informava, nas
propagandas veiculadas, o preço e as condições de pagamento do produto
anunciado.
“O caso concreto é exemplo de publicidade enganosa por
omissão, pois suprime algumas informações essenciais sobre o produto (preço e
forma de pagamento), as quais somente serão conhecidas pelo consumidor mediante
o ônus de uma ligação tarifada, mesmo que a compra não venha a ser
concretizada”, afirmou.
Segundo o ministro, no CDC, o dever de informar não é
tratado como mero dever anexo, e sim como dever básico, essencial e intrínseco
às relações de consumo. “De mais a mais, não é suficiente oferecer a
informação. É preciso saber transmiti-la, porque mesmo a informação completa e
verdadeira pode vir a apresentar deficiência na forma como é exteriorizada ou
recebida pelo consumidor”, esclareceu.
Vício de quantidade
Ainda que haja abatimento no preço do produto, o fornecedor
responderá por vício de quantidade na hipótese em que reduzir o volume da
mercadoria para quantidade diversa da que habitualmente fornecia no mercado,
sem informar essa diminuição na embalagem, de forma clara, precisa e ostensiva.
Com base nesse entendimento, a Segunda Turma, por
unanimidade, confirmou condenação de empresa por alterar o conteúdo de
refrigerantes de 600 ml para 500 ml sem informar clara e precisamente aos
consumidores sobre a mudança (REsp 1.364.915).
Segundo o relator, ministro Humberto Martins, a empresa que
reduz o volume do produto que comercializa há vários anos, que é de larga
aceitação, sem a informação correta ao consumidor afronta os princípios do
direito à informação e da confiança estabelecidos pela legislação consumerista.
“O dever de informação positiva do fornecedor tem
importância direta no surgimento e na manutenção da confiança por parte do
consumidor. A informação deficiente frustra as legítimas expectativas do
consumidor, maculando sua confiança”, ressaltou.
Seguro e furto
Uma vez reconhecida a falha no dever geral de informação, é
inválida a cláusula do contrato de seguro que exclui da cobertura o furto
simples ocorrido no estabelecimento comercial contratante.
No caso analisado pelo STJ em 2012, foi confirmada
indenização para uma clínica de terapia que ajuizou ação contra companhia de
seguros que se recusou a pagar a obrigação securitária após um furto.
Apesar de alegar que o sinistro ocorrido não estava
garantido pelo contrato, tendo em conta que não se tratou de furto qualificado
pela destruição ou rompimento de obstáculo, a empresa de seguros teve de arcar
com os custos da indenização, uma vez que a cláusula limitativa de cobertura
foi considerada abusiva em razão do caráter defeituoso na informação prestada
ao consumidor acerca das coberturas contratuais.
“A circunstância de o risco segurado ser limitado aos
casos de furto qualificado exige, de plano, conhecimentos do aderente quanto às
diferenças entre uma e outra espécie de furto, conhecimento esse que, em razão
da sua vulnerabilidade, presumidamente o consumidor não possui, ensejando-se,
por isso, o reconhecimento da falha no dever geral de informação, o qual
constitui, é certo, direito básico do consumidor, nos termos do artigo 6º,
inciso III, do Código de Defesa do Consumidor”, afirmou o relator,
ministro Massami Ueda (hoje aposentado).
Corretagem
Nos casos que envolvem compra e venda de imóveis, o fato de
a informação sobre taxa de corretagem ter sido fornecida em contrato no mesmo
dia do fechamento do negócio não significa descumprimento do dever de informar
previamente o consumidor sobre os custos, de acordo com o precedente
estabelecido no Tema 938 do sistema de recursos repetitivos do STJ.
O repetitivo, julgado em 2016, estabeleceu a validade da
cláusula contratual que transfere ao comprador a obrigação de pagar a comissão
de corretagem nos contratos de compra e venda de imóveis, desde que ele seja
previamente informado do preço total da aquisição da unidade autônoma, com o
destaque do valor da comissão.
Com base nesse entendimento, a Terceira Turma excluiu da
condenação imposta a duas construtoras a indenização relativa à comissão de
corretagem (REsp 1.747.307).
Para o relator dos recursos das construtoras, ministro Paulo
de Tarso Sanseverino, a celeridade da informação não revela inobservância do
dever de informar. Segundo o ministro, o fato de a proposta ter sido aceita no
mesmo dia da celebração do contrato é irrelevante, não devendo ser mantida a
distinção estabelecida pelo tribunal de origem.
“O que realmente importa para a aplicação da tese
firmada no Tema 938 é verificar se a comissão de corretagem não foi escamoteada
na fase pré-contratual, como se estivesse embutida no preço, para depois ser
cobrada como um valor adicional, gerando aumento indevido do preço total”,
disse Sanseverino.